A ESPIRITUALIDADE DA VERGONHA
Na oração de confissão de Daniel há uma declaração que vem se tornando cada dia mais rara entre nós: "
A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós, o corar de vergonha” (Dn 9.7). Isto não acontece mais.
Somos demasiadamente tolerantes para “corar de vergonha”.
Mesmo diante de fatos trágicos e deploráveis que vemos todos os dias, o máximo que conseguimos é uma indignação passageira. Porém, é a possibilidade de corar de vergonha que não me permite rir da corrupção, achar normal a promiscuidade, conviver naturalmente com a maldade e a mentira, ou, ainda, achar graça da injustiça.
Vivemos numa cultura que se orgulha do pecado, glamourizando-o através dos meios de comunicação, fazendo das tribunas públicas um palco de mentiras, organizando marchas para celebrá-lo, rindo da corrupção, exaltando a esperteza.
E ninguém fica corado de vergonha.
Daniel contrasta, de um lado, a natureza justa de Deus e, de outro, a corrupção e a injustiça do seu povo. Ele só é capaz de fazer isto porque sua ética e moral estão ancoradas em verdades absolutas sobre as quais não pode haver tolerância. A conclusão a que ele chega é que, diante da justiça divina e do quadro trágico de um povo que se orgulha de sua maldade, o que sobra é o
“corar de vergonha”.
Ele nos apresenta aqui a importância de uma vergonha saudável e essencial na preservação da dignidade humana e espiritualidade cristã.
A vergonha aqui é a virtude que nos ajuda a reconhecer nossos erros, limitações, faltas e pecados porque ainda somos capazes de perceber que existe algo melhor, mais belo, mais sublime, mais nobre, mais justo, mais santo e mais humano pelo qual vale a pena lutar.
A vergonha nos impõe um limite.
É por isto que o caminho para o crescimento e amadurecimento passa pela capacidade de ficar corado de vergonha diante de tudo aquilo que compromete a justiça e a santidade.
No caminho da santidade lidamos com o amor, verdade, bondade, justiça, beleza, entrega, doação e cuidado. A falta de vergonha nos leva a negar este caminho e optar pela mentira, manipulação, engano, falsidade, hipocrisia e violência.
“Corar de vergonha” é uma virtude que falta na experiência espiritual moderna, a virtude de olhar para o pecado que habita em nós, a mentira e o engano que residem nos porões da alma, a injustiça que se alimenta do egoísmo, a malícia que desperta os desejos mais mesquinhos, e se entristecer.
Precisamos reconhecer que foram os nossos pecados que levaram o Santo Filho de Deus a sofrer a vergonha da cruz. Quando olhamos para a cruz e contemplamos nela a beleza e a pureza do amor, só nos resta “corar de vergonha”.
Pr. Ricardo Barbosa – Revista Ultimato – Com adaptações.
Pr. Robson Wesley
Estudo publicado no Boletim IMGD Setembro/2008
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