
Por José Rabelo, Jornal Século Diário
Intrusos. É assim que o governo Paulo Hartung classifica os  representantes de organizações de defesa de direitos humanos que vêm ao Estado  para apurar as denúncias de violações de direitos que se perpetuam no sistema  carcerário do Espírito Santo há mais de uma década. As denúncias, cada vez mais  contundentes, mancham a imagem do povo capixaba no Brasil e no mundo. 
Nessa  sexta-feira (5), não foi diferente. O secretário de Justiça Ângelo Roncalli deu  uma ordem expressa para que os representantes da Justiça Global e Conectas, do  Conselho Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo (CEDH-ES), do Centro de  Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra) e da Pastoral do Menor, se  retirassem da Penitenciária Feminina de Tucum, em Cariacica.
A comissão  legítima, que estava vistoriando os presídios do Estado desde a última  quarta-feira (3), foi surpreendida com a determinação truculenta do governo.  “Não nos deram explicação alguma, simplesmente pediram que nos retirássemos do  interior do presídio poucos minutos após a nossa entrada”, contou a diretora da  Justiça Global, Sandra Carvalho.
Sandra Carvalho disse que achou a  determinação estranha, pois a comissão já havia visitado, nos dias anteriores,  os DPJs de Cariacica e Vila Velha, o Centro de Detenção Provisória (CDP) de  Cariacica e a Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), no mesmo  município.
O presidente do CEDH-ES, Bruno Souza, declarou ao site da Justiça  Global (www.global.org.br) que a expulsão reflete a falta de diálogo e de  transparência com que o governo do Espírito Santo trata a questão do sistema  prisional. “Tentam de todas as formas ocultar as graves violações de direitos  humanos que acontecem sistematicamente nas unidades prisionais do estado.  Frequentemente, o governo desrespeita decisões judiciais e determinações de  organismos internacionais.”
A diretora da Justiça Global, que acompanha as  situações de violações de direitos no sistema prisional capixaba há mais de  cinco anos, concorda com Bruno Souza. Sandra lembrou que os conselhos e as  organizações do Estado sempre foram impedidos de visitar as unidades prisionais,  direito que é previsto em lei. Ela também reclama que o governo não tem se  colocado aberto para o diálogo.
O advogado da Conectas, Samuel Friedman, que  também participou das vistorias, além da expulsão sumária de Tucum, reclamou de  outros impedimentos impostos pelo governo do Estado à comissão. “Fomos proibidos  de entrar nos presídios com câmeras fotográficas. Assim fica difícil para  materializarmos provas sobre as violações”. Friedman disse que a impressão que  se tem e de que o governo quer “esconder alguma coisa”.
Mesmo cerceados, os  membros da comissão conseguiram fotografar balas de borracha que teriam sido  disparadas contra os detentos do CDP de Cariacica e as internas da Penitenciária  de Tucum. Os próprios presos conseguiram entregar as balas aos representantes  das organizações. Sandra Carvalho acrescentou também que havia marcas de tiros  (armas de fogo) nas paredes das unidades que foram disparados de fora para  dentro.
Histórico de intolerância
O governo do Estado passou a ser  ainda mais intolerante com as organizações e com os conselhos de direitos  humanos a partir de abril de 2009, após o ex-presidente do Conselho Nacional de  Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Sérgio Salomão Shecaira, produzir um  dos relatórios mais contundentes sobre a caótica situação do sistema  penitenciário capixaba. À época, Shecaira comparou as “masmorras capixabas” aos  campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial.
O relatório  mobilizou uma verdadeira carreata de comissões de todo o País que queriam  comprovar se as atrocidades relatadas por Shecaira não eram exageradas. O  relatório, ratificado pelo Conselho Nacional de Justiça e pela Comissão de  Direitos da Pessoa Humana da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da  República – só para citar dois exemplos -, foi parar na mesa do procurador geral  da República com um pedido de intervenção federal no Estado, tal era a gravidade  das violações.
Comprovando mais uma vez a intolerância do governo capixaba  para com o diálogo, Shecaira saiu do Estado sem conseguir discutir os problemas  de violações de direitos com os secretários da Justiça e da Segurança,  respectivamente, Ângelo Roncalli e Rodney Rocha Miranda, que foram refratários  aos pedidos de reunião do ex-presidente do CNPCP.
A tropa de choque do  governo tratou a visita de Shecaira como perseguição política ao Espírito Santo.  Chegaram a dizer coisas absurdas como: “Se fosse com Minas Gerais, que tem um  bancada grande, duvido que eles tivessem coragem de pedir intervenção”.Além  disso: “bisbilhoteiro, intrometido” e até “aloprado” foram alguns dos  impropérios disparados pelas autoridades do governo contra o ex-presidente do  CNPCP.
Na queda de braço com Shecaira, o governo Paulo Hartung levou a  melhor. Logo após o pedido de intervenção cair na imprensa, o ministro da  Justiça, Tarso Genro, saiu em defesa do Espírito Santo e desautorizou o Shecaira  ao anunciar que haveria outra saída que não a intervenção para o Estado.
Em  agosto do ano passado, Shecaira deixou a presidência do CNPCP alegando que um  dos motivos de sua saída era a crise no sistema penitenciário do Espírito Santo.  “Infelizmente, o Ministério da Justiça não me deu o respaldo esperado para  resolver os problemas no sistema carcerário do Espírito Santo. Não me restou  alternativa, a não ser sair”.
A iniciativa de levar os casos de violações de  direitos a instâncias internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU)  e Organizações dos Estados Americanos (OEA), está sendo a saída encontrada pelas  organizações não-governamentais para manter as denúncias na pauta.
Segundo o  advogado Samuel Friedman, a Conectas tem status consultivo no Conselho de  Direitos Humanos da ONU. Friedman explicou que a vinda da Conectas ao Espírito  Santo atendia a uma demanda da ONU. “Essa visita é complementar a primeira que  fizemos em novembro do ano passado, também em conjunto com a Justiça Global e  com os conselhos de direitos humanos do Espírito Santo. Friedman afirmou que, a  partir dos novos dados coletados, a comissão vai concluir o relatório e enviá-lo  às comissões de Torturas e Execuções Sumárias da ONU e à OEA. Ele disse ainda  que o documento, no Brasil, será encaminhado ao CNJ, às comissões de direitos  humanos do Senado e da Câmara e inclusive à Procuradoria Geral da República, que  continua analisando o pedido de intervenção federal no Estado.
O advogado da  Conectas também informou que em março, durante a reunião regular da ONU, em  Genebra, as organizações não-governamentais serão ouvidas no Conselho de  Direitos Humanos da ONU e os casos de violações no Espírito Santo entrarão na  pauta internacional.
O Conselho dos Direitos Humanos da ONU, instituído em  março de 2006, é formado por 47 países. Sua criação foi marcada por uma polêmica  envolvendo os Estados Unidos, as Ilhas Marshall, Palau, e Israel, países que  votaram contra a criação do novo Conselho.
Os Estados Unidos justificaram seu  voto contrário alegando que haveria pouco poder envolvido no Conselho e não se  conseguiria evitar os abusos contra os direitos humanos que acontecem em todo o  mundo.
fonte: Justiça Global
