terça-feira, novembro 23

E quando nada vai bem...

E quando nada vai bem...

terça-feira, 23 de novembro de 2010 , Postado por Felipe Heiderich at 00:09
Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto nas vides; ainda que o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado da malhada e nos currais não haja gado, todavia eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação. Habacuque 3.17,18

Quando Habacuque proferiu essas palavras há centenas de anos antes de Jesus, talvez ele não fazia idéia de que mesmo depois de milhares de anos suas palavras se tornariam extremamente atuais como se fazem hoje em dia.

O mundo religioso tem mergulhado em teologias, fantasias onde cada vez mais vemos os olhares se voltando para o homem e não para D-us. Perdemos o equilíbrio entre o Teocentrismo e o Antropocentrismo e mergulhamos fundo num Humanismo desumano. Tudo tem se tornado válido, desde que seja bom pra mim.

Surge um evangelho maquiavélico, onde os fins têm justificado os meios e com a benção de D-us!
Num tempo onde a prosperidade e a ganância têm invadido as igrejas, apregoando bênçãos financeiras a qualquer custo, fico pensando nas palavras de Habacuque que se tornam tão vivas nos dias de hoje.

Habacuque fala de 3 árvores bem conhecidas na Bíblia: Figueira, Videira e Oliveira.
Nos textos Bíblicos a Figueira se refere a cura (2Rs 20.5-7) a Videira, que produz o vinho, nos remete ao sangue de Jesus e por conseguinte à salvação e por fim a Oliveira que produz o azeite, muito usado para fazer os óleos da unção nos faz apologia a unção do Espírito Santo.

Habacuque nos diz que mesmo que eu não enxergue cura para minha doença, mesmo que ache que não há salvação e mesmo que surja aflição tamanha que não reconheça a voz do Espírito, mesmo assim ele se alegraria no Senhor. Mesmo que não haja gado ou ovelhas e a fome bata a sua porta, todavia ele não se esqueceria do Senhor e nem por isso estaria sobre maldição, mas sim sendo moldado pelo criador.

O profeta nos mostra que a vida pode ser difícil ou não. Não interessa as circunstâncias. O que interessa é o alvo, e este não são os bens materiais, amizades, fama ou saúde, o seu foco foi e sempre será o SENHOR CRIADOR.
Palavras mais que atuais nos dias de hoje. Pense

quinta-feira, novembro 18

Humanizando o Ser Humano

Tenho estado muito tocada nos últimos tempos com as relações entre profissionais e usuários .

Algo me inquieta, incomoda mais que em outros momentos e me pergunto o que significa isso.

Essa semana, conversava com uma amiga sobre as questões do SUS e contei-lhe alguns relatos de profissionais feitos nas rodas dos hospitais do RN e das cenas vivas nos corredores dos mesmos, que evidenciam a profunda desqualificação dos usuários e das suas demandas, por parte dos trabalhadores. Algumas ainda me vêm à mente de maneira forte, como por exemplo, a fala de um médico se dirigindo à uma mulher que chorava alto com o joelho muito machucado. O médico pedia que a mesma parasse com aquilo, e que, mesmo se um trator tivesse passado por cima do seu joelho, não precisava dar tanto “chilique”. Noutra cena, respondendo a um apelo de ajuda de uma técnica de enfermagem para levantar um homem do chão, o maqueiro grita: “deixe aí mesmo! Ele é um drogado.” Contei-lhe, por fim, o relato que mais tinha mexido comigo e levou-me a parar e pensar insistentemente nessa relação. Trata-se do momento em que uma técnica de enfermagem dava banho numa paciente, quando outra colega aproximou-se e disse que ela não podia dar banho na usuária com aquele balde, pois o mesmo era de limpeza do hospital, ao que lhe respondeu prontamente e de forma grosseira a colega: “não se preocupe porque depois posso passar álcool nela”.


Minha amiga destacou que, como sempre, eu mostrava estranheza frente àquelas situações tão conhecidas. Mas, naquele dia em particular, minha inquietude parecia diferente, comparando com outros momentos. Realmente, ela tinha razão. Eu estava pensativa, como se aquele corriqueiro tivesse me desafiado de outra forma. Comecei a observar melhor esses relatos do cotidiano, a observar as falas, os fatos, as pessoas, suas razões. Aqueles comportamentos se revelavam para mim, há muito tempo, como um dos maiores contrassensos na vida do profissional da saúde: alguém que se oferta como cuidador e no lugar disso, maltrata. Coisa estranha! Mas, sabia que essa era uma realidade e que todos nós lutávamos no sentido de mudá-la e, por isso mesmo, tinha sido criada a PNH. Fiquei “matutando” sobre esse nome, humanização, que já tinha me feito passar por muitas chateações nas centenas de rodas que participei, durante esses seis anos em que sou consultora dessa politica. Ainda escuto os participantes gritando em minha direção: porque essa palavra humanização? Por acaso somos bichos? Que coisa esquisita esse nome! Brigava comigo mesma porque, lá no intimo, também pensava que não tinha sido a melhor escolha. Somente tempos mais tarde entendi muito bem, porque seus fundadores escolheram exatamente essa palavra: humanização. Sim, essa palavra traduz bem um apelo a nós mesmos, joga na nossa cara algo que fica turvo, difícil de enxergar porque instituído, naturalizado, legitimado. Enxergar esse jeito de operar a vida, muitas vezes sem escrúpulos, ultrapassando os limites do outro, colocando-o na condição de objeto e até mesmo de lixo. Simples! Simples assim como estou falando.

Uma cultura na qual a relação é mais importante que o direito, onde o jeitinho se impõe como forma de resolução dos problemas, onde os interesses pessoais e de grupos ultrapassam os projetos coletivos e o bem comum. Nesse dia voltei para casa pensando nos meus movimentos, em mim mesma, achando que essa semana estava fadada aos questionamentos para todos os lados e conclui: estou em crise! Quando saí do hospital, fui almoçar com minha mãe e com ela tive uma conversa interessante sobre a sua família de origem e seus antepassados e, dessa conversa, transportei para minhas reflexões as relações dos coronéis, dos senhores de engenho com seus “protegidos”. Relações que revelam o paternalismo, o autoritarismo, a hierarquia, a subserviência, o toma lá da cá, a troca de favores e a bajulação. Nessa conversa, minha mãe falou ainda, que o autor do 1808 havia dado uma entrevista na TV, falando do mesmo assunto. Afirmava ele que, no período colonial, no Rio de Janeiro, a elite dita branca tinha uma relação de bajulação com a corte portuguesa e que a troca de favores e a corrupção se constituíam como práticas privilegiadas . Laurentino acrescentara ainda: “nunca o país foi tão corrupto quanto no período colonial!” É isso! Ainda corre no nosso “sangue” todos esses ingredientes. Imaginei que seria saudável encarar essa herança frente à frente, olhar com atenção e discutir nas rodas como esse “jeitinho” se inscreve no nosso dia a dia, no trabalho, na vida; olhar para essas imagens sem medos, sem preconceitos, com calma, buscando entender como nos constituímos, e aí, poder abraçar o que de maravilhoso herdamos da nossa mestiçagem e nos desvencilharmos dos legados indevidos, desatando as amarras que nos prendem e nos inscrevem na pequenez humana.

Grande abraço queridos e queridas companheir@s.

Sheylla